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Campanha em Erebor – Cena 6 – Dáin Pé-de-Ferro

29/08/2013

Cena anterior: Campanha em Erebor – Cena 5 – Falco

Escuridão. Era só isso que havia naquele lugar.
Não a falta de luz, aquele negro claro que brinca com nossos olhos ao esconder o que procuramos. Mas sim a escuridão, aquela que te desafia a continuar, que entra nos seus poros e começa a preencher sua boca, seu pulmão, seus olhos, sua mente, e, por fim, a sua alma.

Eu tinha apenas 32 anos, e havia matado o assassino de meu pai, Azog, o maldito. Porém todo o júbilo que antes me preenchera fora embora como um banho de água fria quando ousei olhar através dos portões de Khazad-dûm. A beleza e o esplendor do antigo lar dos anões estava sufocada. A sombra venceu a luz naquele lugar, e não havia ninguém de nós com poder o suficiente para vencer as trevas dali.

Uma presença maligna estava à espreita. A ruína de Dúrin…

Hoje seria um dia de audiências. Sempre haviam surpresas nos dias de audiências. Lembro-me de quando um ourívere de Gondor veio à Erebor pedir para ser aceito sob a Montanha. Fizemos um período de experiência e depois de dois dias descobrimos que na verdade ele era um maluco vagabundo que queria roubar nosso ouro. Cortamos suas mãos e a pregamos na praça pública por uma semana para que todos os visitantes vissem o que fazíamos com pretensos ladrões de nossas riquezas. Coincidentemente, três mercadores abandonaram a Montanha logo após a exibição das mãos. Covardes e bandidos queremos longe daqui!

Mas haviam surpresas tristes também. Lembro do dia que Balin veio até mim falar sobre seus planos para reconquistar Khazad-dûm. Tentei dissuadi-lo da ideia compartilhando com o filho de Fundin minhas memórias de lá, mas não era possível se opor a Balin. Ele se tornara um senhor poderoso, e muitos o seguiram em sua empreitada suicida, mesmo sem minha benção. Ori, Óin, Nordri…

Muitos bons anões foram e dentro de mim eu sabia que não nos veríamos novamente. O fim dA ruína de Dúrin não viria por mãos anãs, mas tenho certeza que muitos de meu povo veriam seu fim pelas mãos dA Ruína. As notícias da Colônia não vinham há anos, e a pressão de Dwalin e dos outros heróis era grande. Eu não queria mandar outros grupos até Balin, e não poderíamos nos dar ao luxo de arriscarmos mais vidas.

Até parece que o orgulho e a teimosia de minha raça sempre será nosso maior inimigo…

Acordei antes do sol nascer e, como todos os dias, recitei o nome de meus antepassados antes de levantar da cama.

“… Grór, Náin”.

Pronto, já podia levantar. Aqueles que me protegiam já foram invocados.
Vesti meus melhores trajes e coloquei Mercúrio no meu cinto. Um rei sem armas é o mesmo que um mercador rico. Mercúrio era muito mais que um machado, era uma extensão do meu próprio corpo. Sua lâmina possuía runas com o nome dos capitães que já viram seu fim por minhas mãos. O nome de AZOG estava bem no centro da lâmina. Qualquer inimigo se mijaria diante duma arma tão poderosa.

dwarf
Haviam lendas entre meu povo que diziam que a cada batalha Mercúrio ficava mais vermelho com o sangue de meus inimigos. Era uma boa lenda, e eu fazia questão que ela perdurasse.

Finalmente calcei minhas botas de ferro e caminhei até a sala do trono. O trono de Thráin continuava vazio. Ordenei que um novo trono fosse erguido, feito à imagem de um dragão. Fazia questão em sentar sobre a figura de um lagarto. Meus assistentes já me esperavam, e sem nenhuma ordem comida, bebida e notícias já chegaram a mim. Parece que dois forasteiros chegaram ontem à Erebor e desejavam imediatamente uma audiência comigo.

– Eles são estranhos meu rei. Vestem o negro e possuem um ar desagradável. Mas insistem tanto que acabei aceitando apresentá-los ao senhor para que partam daqui o quanto antes.

– Provavelmente mais alguns representantes dos orientais pedindo auxílio em suas contendas familiares em troca de marfim. De vez em quando acredito que alguns povos estrangeiros enxergam o nosso povo como mercenários. Mas ok, encaixe-os após a audiência com Qhorin…

– Qhorin já está aqui na verdade. Veio acompanhado com um estranho grupo: Um beorning, um oriental de Valle, uma elfa, um hobbit e Thraurin Coração de Martelo.

Hoje seria um dia daqueles.

– Chame-os então… Estou curioso para ouvir suas histórias.

A estranha comitiva então adentrou o salão e, um a um, se apresentara. Qhorin fora o primeiro a falar, e seu pedido era uma na verdade uma súplica para que eu autorizasse a sua saída de Erebor e sua busca atrás de seu filho, Ágrapo. A casa Martelo-e-Tenaz sempre fora querida por mim, e me entristecia vê-lo partir. Eu não possuía herdeiros, mas eu compreendia o sentimento.

– Não serei eu a me interpor entre o amor de um pai para seu filho. Vá Qhorin, e que Mahal guie seus passos.

O artesão fez uma profunda reverência e então mostrou pra mim a arma que carregava. Um martelo belíssimo, com escritas rúnicas dum brilho azulado.

– Obrigado meu Rei. Voltarei com Ágrapo para Erebor custe o que custar. Mas espero não ser o único anão nessa jornada…

Thraurin se aproximou do trono, e após uma mesura se pronunciou:

– Meu rei, há anos não temos notícias de meu tio, e cada mês que passa a saúde de meu pai piora. Imploro para que me libere a acompanhar Qhorin em busca de Ágrapo, para que possamos juntos depois descobrir sobre Balin e a colônia em Khazad-dûm.

Suspirei fundo.

Se eu negasse a ida de Thraurin, estaria fazendo um descaso com a ligação entre sobrinho e tio, e ainda retiraria um apoio de Qhorin em sua busca. Estava numa forja sem brasa. Não haviam opções.

– Eu te libero ó Coração-de-Martelo. Que as buscas que vocês perseguem sejam felizes em seu final. Mas só te peço algo: não queira estender seus braços mais longe do que alcança. Eu te libero para descobrir o paradeiro de Balin e resgatar Ágrapo. Não o inverso.

– Que assim seja, me respondeu o filho de Dwalin.

– E então? A que devo a visita de vocês caros visitantes?

– Falco, meu rei. Creio que você nunca ouviu falar de mim, apesar de meu renome como “Mago das panelas” em todas as Quartas do Condado. Mas você com certeza conhece meu tio Bilbo Bolseiro. Vim lhe oferecer meus serviços e pedir sua permissão para acompanhar Qhorin e Thraurin na busca de Ágrapo. Conheci-o no Condado, na festa de meu tio Bilbo, e criamos uma amizade desde então.

Os hobbits são seres surpreendentes. Em seus últimos minutos Thorin, meu primo, pediu para que sempre fizesse de tudo para proteger esse povo. Eu nunca havia falado pessoalmente com Bilbo, mas é claro que ouvira muito sobre ele.

– Permissão concedida pequeno mestre! E fico mais aliviado sabendo que o Mago das cozinhas do Condado acompanhará dois de meus melhores anões. Espero que na volta possamos todos festejarmos juntos a volta de Ágrapo.
O hobbit deu um sorriso tão largo que achei que suas orelhas rachariam… Dei risada. Eles eram de fato, uma gente curiosa.

– Quanto a mim, chamo-me Vir, filho de Vir e neto de Vir. Procuro estabelecer novas rotas comerciais entre Mo… desculpe, Khazad-dûm e Valle. Também sou amigo de Qhorin, e desejo que sua paz seja restaurada.

A menos que Vir desejasse vender sombras, creio que não haveria muito que o oriental pudesse negociar, mas simplesmente assenti com a cabeça.

– Você tem minha benção, Vir.

– E eu sou Rowenna capa-cinzenta, Rei Dáin. Sou aprendiz de Radagast, e venho lhe trazer uma mensagem de meu senhor.
Radagast, o Castanho? Tive pouco contato com ele, mas sabia que ele era um aliado valoroso, mesmo que aceitasse elfos como aprendizes.

A elfa me entregou um bilhete, e nele o Castanho me alertara sobre as sombras que acometiam os animais. Ele pedia que usássemos nossos corvos apenas raramente, e nunca para longas distâncias nesses últimos tempos, ou a sombra poderia acometê-los, e nossas mensagens desviadas.

– Seu senhor é prudente Rowena. Meus sinceros agradecimentos, peço que você pegue com meu assistente um ícone, como sinal de gratidão à Radagast.

– Nenhuma gratidão é necessária, meu senhor. Mas se deseja mesmo retribuir, peço que conceda permissão para que eu acompanhe Qhorin, Vir, Thraurin e Falco na jornada.

Meus 252 anos deviam estar afetando meus pensamentos. Outra forja sem brasa, no mesmo dia?

– Vá Rowena, e que as habilidades de seu povo só auxiliem seus companheiros. Que a bondade do Castanho tenha sido ensinada junto com sua mágica à sua aprendiz.

A elfa sorriu de um jeito estranho e fez uma reverência.
Porém, antes do beorning falar, os mensageiros negros adentraram o salão, e então entendi a sensação desagradável que Kiki, meu assistente, descrevera.

Dois homens entraram, um vestindo uma capa negra como a escuridão, cobrindo quase que totalmente suas vestes, também negras. Seu nariz e seus olhos sombrios eram as únicas coisas que se destacavam naquela massa escura. Seu companheiro, por outro lado, era o oposto. Duras botas ele calçava, e uma careca lustrosa e com cicatrizes ponteavam seu grande corpo. Ele vestia um pesado casaco de pele. Negro, é claro. Aqueles homens não eram orientais.
O narigudo foi quem falou:

– Salve Dáin, Rei-sob-a-Montanha. Viemos de longe e não quisemos aguardar mais diante de suas portas fechadas. Nossa mensagem é breve, porém importante. Temos permissão para falar nos seus salões?

A pergunta era retórica. Eles já haviam quebrado qualquer protocolo de etiqueta, e sua falsa preocupação com minha permissão soava como uma zombaria. O sorriso torto debaixo daquele nariz em forma de gancho contribuía para torná-lo um pessoa excepcionalmente desagradável. O tipo que nenhum senhor de respeito escolheria como diplomata.

Eu não era o único incomodado no salão. Qhorin e Thraurin seguravam o cabo de seus martelos e eu tinha certeza que com um simples aceno aqueles homens seriam atacados.
Rowena e o beorning observavam quietos os mensageiros. Falco não estava mais à vista de ninguém.

– Vocês estão no salão de Thráin, na sala do trono de Erebor. Este local é o símbolo-mor de meu povo. A imunidade diplomática se aplica àqueles que se portam como tal. Por outro lado, bandidos comuns são jogados na vala. Até agora, não tenho dúvida qual será o destino de vocês.

Os dois cochicharam entre si e o narigudo respondeu:

– Peço desculpas Pé-de-Ferro. Cavalgamos muito e não conseguimos descansar em nenhuma hospedaria em Valle ou Erebor. Chamo-me Hayart, e este meu companheiro é Bungu. Trazemos uma mensagem de amizade do sul.

O sorriso torto se foi, e o dissimulado homem conseguira mudar totalmente sua postura. O papel agora dum cansado viajante incompreendido.

Mas viajante de onde, Harad?

– Seja rápido e objetivo Hayart.

Depois de uma mesura, o nariz-gancho falou:

– Serei. Trago-lhe uma oferta de amizade vinda de meu Senhor. Sabemos que há certo tempo seu povo teve contato com pequenos, vindo de uma terra chamada Condado. Acontece que estes pequenos pregaram uma pequena peça em meu Senhor, e gostaríamos de mais informações sobre eles. Vocês não aceitariam compartilhar o que sabem em troca de uma amizade?

Hmm… aquilo cheirava mal, e não pude deixar de procurar Falco enquanto respondia. Felizmente não o ví.

– Amizade? Que amizade é essa que um senhor desconhecido me propõe?

Então o sorriso desagradável voltou e a máscara de polidez caiu para nunca mais voltar.

– Desconhecido? Não, Pé-de-Ferro, assassino de Azog, o nome de meu Senhor e suas terras lhe são conhecidos. Pois venho de Mordor, e não há ser vivo ou morto que não conheça esse nome.

Então o brutamontes careca jogou seu casaco de pele no chão, e revelou um corpo tatuado numa espécie de escrita que nunca havia visto antes. As linhas meneavam seus músculos retesados, atravessando cicatrizes num padrão circular macabro.

The_One_Ring_writing

Mordor…

Senti um arrepio na espinha que disfarcei levantando de meu trono.

– Mordor? Que tipo de amizade pode vir desta terra?

– Uma amizade poderosa e valiosa. Pois lembre-se Dáin, que Erebor não é chamada de Montanha Solitária à toa. Quais são seus amigos aqui no Norte? A débil Valle, ou a inconfiável floresta? Vocês estão sozinhos. Sauron lhe oferece amizade em troca de informações, e se vocês se mostrarem merecedores, até um dos anéis antes perdidos por seu povo podem lhe ser devolvidos. Então, o que me diz, ó rei dos anões?

– Não digo nem sim nem não. Preciso de tempo e de meus conselheiros para debater isso.

– Que seja, mas voltaremos em breve. Sozinhos ou acompanhados. Não nos faça esperar.
Não respondi, e os mensageiros finalmente foram embora sem nem mais uma palavra ou mesura. As portas se fecharam num baque, e um vento frio soprou vindo de lugar nenhum.

O salão de Thráin parecia mais um cemitério com o gelo que permanecera dentro de cada um de nós. Mordor? Não esperava ouvir esse nome novamente. Minha mente estava nublada. O dia hoje trouxera muito mais surpresas do que eu pudera imaginar. Precisávamos de pessoas mais sábias que eu para saber como agir. Que falta Nordri me fazia.

Pensei por um instante e avaliei minhas opções. Não eram muitas. Era hora de engolir o orgulho e enviar mensageiros à Valfenda.

Toquei Mercúrio e bradei:

– Chamem Glóin e Gimli. Precisamos de mensageiros, e nossos corvos não devem ser enviados tão longe. Que a sabedoria de Elrond Meio-Elfo nos auxilie. E que Mahal dê forças à todos nós.

Próxima Cena: Campanha em Erebor – Cena 7

6 Comentários leave one →
  1. 29/08/2013 14:40

    Muito boa.
    Esse final ligando o Hobbit ao senhor dos anéis foi muito bem feita.
    Agora fiquei curioso para saber como essas histórias vão influenciar na campanha.
    Parabéns Chico

  2. Elias permalink
    30/08/2013 12:55

    Quando li esse relato lembrei da campanha anterior (em Moria) e lembrei das difíceis decisões que o Balin tomou lá. Esse relato lembrou bastante as audiências com Balin, com 1 diferença: aqui finalmente entramos na cabeça do líder e acompanhamos seus pensamentos internos. Nos relatos de Moria acompanhamos com a perspectiva dos súditos e sentimos menos o drama que os soberanos passam ao definer as questões do reino. Muito legal! Parabéns pelo relato.

  3. gerbur12 permalink
    31/08/2013 15:33

    Eis que demorou mais saiu! hehe.

    Mestre Chico, excelente texto cara. Parabéns.

    Curto muito as expressões anãs que você inventa: “Estou numa forja sem brasa”, hehe muito bacana. Muito Tolkien isso.

    Achei legal também a costurada que você deu com as obras: Gimli e Glóin vão para Valfenda por causa do aviso que Radagast deu através da elfa Rowenna. Se não fosse isso, Balin enviaria corvos! Muito bem pensado. Torna tudo mais verossímel. Faz com que o leitor sinta-se em casa. Faz com que o leitor sinta-se na mesma Terra-Média que todos conhecemos.

    Parabéns grande mestre! E vamos ver o que aguarda a jornada desses heróis!

    Cabeçada Anã a todos!

  4. 01/09/2013 00:46

    Muito obrigado pelos elogios!
    Sempre bom ler esses comentários. Eu e o Gonça vivemos brincando: “será que a galera que comenta vai curtir o relato?” hehe.

    A escolha do ponto de vista do Dáin foi interessante. Estávamos planejando os pontos de vista dos relatos da 1a sessão, e todos os personagens do grupo já tinham dado seus pitacos. Qual seria a próxima escolha? Repetíriamos algum deles?

    Daí lembrei do Dáin, um personagem que sempre achei muito massa, mas que quase não o vemos em ação. Decidi colorir um pouco a vida desse anão que tanta coisa fez na Terra-Média!

    Fiz o mesmo com o Radagast na última sessão (3a sessão, que ainda demorará um pouco pra ser relatada), e foi maravilhoso brincar com o Castanho. Sempre fui fã do ermitão, e foi muito legal interpretá-lo!

    Por hora é isso.
    André e Elias, vocês não tem noção do que os aguarda nos próximos relatos, essa história está ficando foda demais!

    Grande abraço à todo mundo!

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