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Campanha em Erebor – Cena 10 – Falco

30/11/2013

Cena Anterior: Cena 09 – Rowenna

– Sim halfling, você não ouviu errado. É lobisomem mesmo.

Que tempos terríveis!!!

Eu me senti muito triste por ver Qhorin, Thraurin e Rowenna partirem sozinhos, mas meu sonho de aprender a receita do pão de mel dos beornings foi por água abaixo. O filho de Beorn, Grimbeorn, havia nos passado uma missão e nós partíriamos na caça desta criatura maligna:

– Ele já devorou boa parte do gado dos homens da floresta, e mesmo alguns homens já sumiram nos dias de lua cheia, quando seus poderes se amplificam. Vai ser uma boa maneira de ficarem prontos, caso um dia realmente entrem em Dol Guldur. Além de ajudarem os homens da floresta, é claro.

O filho de Beorn falava com uma calma assustadora. Era como se ele estivesse nos convidando a colher cogumelos na floresta, em uma manhã de sol. Pela segunda vez na minha vida, eu não conseguia ver o lado bom da situação em que estava. Desejei estar na minha toca, tomando chá e ouvindo tia Dora tocar sua flauta doce.

– Não faça essa cara Falco. Você vai ser o primeiro hobbit a caçar uma cria de Sauron! Você voltará como outra pessoa.

Estiquei meu pescoço o máximo que pude, e focalizei os olhos do gigante:

– Você promete que eu vou voltar?

Uma lufada de vento vinha da floresta ao nosso redor, levantando as folhas do chão e trazendo o frio do inverno. Eu tremia, e não era por causa do frio.

– Não. Mas se isso acontecer, você nunca mais será o mesmo.

*

Eu, Vir e Hardhart partimos na lua minguante. Teríamos alguns dias para rastrear a criatura até o seu dia mais vulnerável: a noite de lua nova.

Meu tremor ainda não tinha ido embora. Vir estava curioso sobre o possível valor dos dentes e garras de um lobisomem no mercado de Valle. Hardhart também tremia… de ansiedade!

Pão de mel dos beornings

Ok, confesso que apesar de tudo levei alguns destes comigo…

– Há!! Nem acredito que vamos poder nos divertir um pouco enquanto esperamos Rowenna e os outros. Fiquei receoso que teríamos que ajudar na limpeza ou na produção de pão de mel…

Lágrimas de sangue escorriam de meus pequenos olhos.

*

A noite chegou, e nós já estávamos na região dos homens da floresta. Visitamos um dos fazendeiros que foi atacado, e foi espantoso ver um homem tão grande e forte com uma expressão de medo absoluto. Ele passou várias informações para Hardhart, enquanto eu contava o número de flechas da minha aljava. Elas pareciam tão frágeis.

Descansamos por algumas horas no estábulo (toscamente) reformado, e antes de amanhecer, já partimos.

Quando reclamei do descanso breve, Vir me chutou de leve e bradou:

– A cozinhou ficou pra trás Falco. Você está numa aventura, pare de reclamar, já tá na hora de seu cinto ser mais apertado e seu rosto melhor talhado.

Tempos terríveis!!

*

Durante todo o dia seguimos “rastros”. Eu via ocasionalmente uma pegada ou um galho quebrado. Hardhart, por outro lado, lia a paisagem. Por várias vezes ele encostava a palma da mão na casca das árvores, fechando os olhos e percebendo algo que só fazia sentido pra ele. Durante a primeira noite Vir me jurou que viu ele grunhindo com um urso, como se conversassem.

No segundo dia, Hardhart estava mais animado que antes, o que só serviu para embrulhar meu estômago.

– Estamos perto dele. As árvores aqui estão mais machucadas, a criatura deve vir com frequência pra essas bandas. Há muito menos animais aqui, e os poucos que estão, parecem perturbados. Preparem suas armas, se não for nesta noite, será na próxima!

Grudei em Vir no resto do dia, e minhas mãos doeram de tanto apertar meu arco. O beorning ia a frente com seu enorme machado girando nas suas mãos. Conforme a noite caiu, Vir começou a acender uma tocha (como sempre fazíamos), mas foi interrompido.

– Mas não temos lua meu amigo, como iremos enxergar algo? – perguntou o mercador.

– Hora de usarmos o faro de um mestre saboreador de aromas! Falco, venha ao meu lado, preciso de sua ajuda aqui.

Hardhart, pedindo minha ajuda???
Foi a primeira vez que me senti importante, desde que saímos da Montanha Solitária. Era minha chance de mostrar que eu não era só um peso morto na viagem!!

Caminhei à frente, e comecei a usar meu dote olfativo. Já ganhei quatro concursos no Condado por adivinhar temperos apenas usando o nariz. Hardhart estava certíssimo, ele não encontraria ninguém melhor que eu para a tarefa!!

– Hmm… O ar é muito seco aqui. Não deve chover faz tempo…. Consigo sentir o cheiro de caca de coruja, nada mais (achei melhor não comentar sobre a catinga dos meus companheiros, que mesmo na casa de Beorn não se lavaram).

– Mais pra frente então. Vir, fique atento aos sons. Eu vou ver o que as árvores e os animais nos falam.

Andamos por um bom tempo, fazendo várias paradas. O clima ficou cada vez mais frio, e a tensão era eminente. Eu sabia que seria a qualquer momento…

– Hardhart, há um cheiro estranho aqui. Um cheiro… ruim. Carniça…

– Chegamos então. Preparem-se.

Avançamos sobre a mata fechada, e logo avistamos uma caverna escura. Não conseguíamos ver nada ali dentro, mas ouvíamos um certo barulho. Carne sendo mastigada. Carne podre.
O cheiro para mim era insuportável.

Hardhart chegou no meu ouvido, Vir já estava ao meu lado.

– Vou chamar a atenção dele. Vir, conto com sua cimitarra ao meu lado. Falco, fique aqui. Fique esperto com seu arco, o último golpe será seu!

O último golpe????
Engoli seco.

– Deixo comigo Hardhart. Não o decepcionarei.

A mão gigante do meu amigo pousou na minha cabeça.

– Eu sei que não.

Tudo então aconteceu muito rápido.
Uma tocha foi acessa do nada, e suas chamas foram arremessadas na caverna. Hardhart pulou à frente, com Vir logo atrás.

– HORA DE PAGAR POR SEUS ATOS CRIA DE SAURON! APAREÇA E ENCARE A LÂMINA DE MEU MACHADO!!!

Um rosnar veio da caverna, e então uma massa de pelos e garras saltou em cima do beorning. Hardhart devia ter o peso de um potro, mas o lobisomem derrubou-o facilmente com seu impulso. A surpresa de meu amigo custou-lhe caro, sua arma caiu ao lado.

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Os dois selvagens rolavam no chão, e eu não ousava atirar e acertar meu companheiro naquela escaramuça.

Gritos e carne sendo rasgada temperavam a cena, e a escuridão enganadora só tornava a coisa mais macabra ainda.

Vir tentou interferir na luta, mas o choque dos dois era tão violento, que ele fora arremessado pro lado por algum dos oponentes. Ou talvez pelos dois.

O embate continuava de forma feroz, e o sangue de ambos já jorrava. Hardhart conseguiu segurar o pescoço do animal, de forma a impedir que sua mandíbula o abocanhasse, mas seu peito era rasgado pelas garras da criatura.

Uma luz surgiu da escuridão, e Vir gritou em alguma língua estranha pra mim, expondo uma tocha contra o rosto do lobisomem:

– DAWA KHANA KHAN HAI!!!!

O animal entrou em convulsão, e seu força era tanta que o aperto de Hardhart soltou. Este e Vir foram empurrados pela fúria da criatura, e caíram no chão. A tocha se apagou, e o barulho de ossos quebrados apontava que alguém havia caído de mal jeito.

O lobisomem então estufou o peito e soltou um uivo, o brado de um predador que acreditava ter encontrado e vencido sua caça. Um longo e poderoso uivo.

Longo o suficiente pra que minha pontaria acertasse seu peito estufado, e foi isso exatamente o que aconteceu. Escondido na folhagem, retesei meu arco o máximo que pude, e usando a flecha mais resistente que encontrei, mirei onde achava que ficava o coração.

O uivo foi interrompido pela falta de ar do seu autor, e o intervalo foi suficiente para que meus amigos se levantassem. Num piscar de olhos o machado antes largado no chão fora parar no meio do abdômen do lobisomem, que não conseguiu se esquivar a tempo.

Um uivo de dor então veio, dessa vez interrompido por um movimento rápido e limpo de uma cimitarra. A cabeça da cria de Sauron estava no chão – a expressão eterna de uma alma atormentada.

Corri até meus amigos, e, pra minha alegria, nenhum ferimento deles era fatal. Acendemos nossas tochas e incendiamos o interior da caverna e a carcaça do animal. O fogo serviria para purificar aquele lugar.

Hardhart segurava o pulso de sua mão esquerda, que estava numa posição esquisita. Vir bateu palmas e falou, alegremente:

– Ótima caça Mestre! É evidente que suas habilidades vão além da cozinha.

Hardhart riu e disse:

– Beorn já havia me dito que vocês enxergavam melhor que os homens na escuridão, mas aquele tiro às cegas foi espetacular, meu amigo. Você tem o meu respeito arqueiro das sombras!

Arqueiro das Sombras?

Sorri ao pensar a reação dos meus amigos da Quarta Sul para o meu novo apelido. De Mago das Panelas para Arqueiro das Sombras?

“Mas se isso acontecer, você nunca mais será o mesmo”.

Hora de apertar o cinto.

Próxima Cena: Campanha em Erebor – Cena 11 

8 Comentários leave one →
  1. Elias permalink
    01/12/2013 18:26

    É… nada como reunir os amigos ao redor de uma mesa e sair à caça de lobisomens! Uma típica aventura de rpg, muito bem narrada, parabéns!

    A escolha do hobbit para ser o pdv dessa cena também foi boa. É sempre bacana ver aventuras a partir dos olhos dos pequenos do Condado.

    Os dois grupos agora seguirão caminhos separados?

  2. 01/12/2013 19:06

    Salve Elias, muito bom ver que está acompanhando nossa campanha!

    Interessante sua pergunta, acho que minha resposta te surpreenderá um pouco:
    Na realidade, essa aventura “nunca ocorreu”.

    Em um dos nossos encontros, mais da metade do grupo faltou.
    Apenas eu, Gonça (Gerbur) e Gi comparecemos à sagrada reunião.

    Dessa forma, narrei uma aventura a parte, da busca e do encontro deles com Radagast, encaixando isso na história da melhor maneira que pude.

    O mais curioso, na realidade, é que essa aventura que só nós participamos, foi a mais interessante de toda a campanha. Como estávamos só nós, jogando um “tempo extra”, nos termos futebolísticos, me libertei um pouco mais e comecei a fazer uns experimentos meio doidos que havia pensado antes, mas nunca achara a oportunidade certa de realizá-los.

    O resultado foi uma sessão INCRÍVEL.
    Mais pra frente vocês vão entender o porque ;)

    Mas voltando à esse relato: ele surgiu de uma pergunta do Vinicius, jogador do Vir, quando, após eu relatar a experiência que tive com o Gonça e a GI, ele me indagou:

    “Pqp, que foda!
    Mas e aí, o que nossos personagens ficaram fazendo na casa do Beorn?”

    Eu fiquei mudo, porque não tinha uma resposta pra isso.
    Então resolvi relatar uma cena que não aconteceu em jogo, mas na medida que nossos leitores e jogadores lerem, acontecerá na mente de cada um.

    Encare como um presente pro Vinicius, e também pra vocês, amigos leitores.
    :)

    Grande abraço!

    • 02/12/2013 00:07

      Gente linda do Aventurando-se!

      Primeiramente gostaria de agradecer por esse presente, obrigado Chico.

      Não menos importante é essa história, caramba, como esse hobbit é foda, não imaginaria ele fazendo essas coisas, nosso pequeno grande Archer Shadows, essa cena agigantou o personagem e preencheu com louvor o gap deixado por nós na missão de summerfell.

      Ótimo texto também, muito bem escrito, espero em breve começar a dar minhas contribuições.

      Aguardando ansiosamente pelas próximas cenas, convido todos a acompanharem porque serão incrivelmente fodasticas.

      Abraço

  3. gerbur12 permalink
    02/12/2013 23:10

    O que é legal nos hobbits é justamente que eles não são feitos para aventuras.

    Eles são gordos, molengas, despreocupados, só querem saber de comer, fumar, dormir e comer de novo, rs. São ignorantes, são os matutos do campo (daí os pés descalços). E fala sério, essas não são as características que se pensa quando se pensa num herói.

    Mas esse é que é o bacana. Quando eles se propõe a fazer qualquer coisa, se entregam de corpo e alma e usam habilidades do homem comum (provar aromas) para se tornarem o que eles precisam se tornar, transformando essas habilidades, dando um novo sentido a elas (farejar o inimigo) e com isso dão um novo sentido a si mesmos (matuto/herói).

    Isso é que é o bacana. Acho que essa é uma das grandes mensagens do Tolkien. Quem narra as aventuras na Terra-Média são hobbits (Bilbo e Frodo), então é como se Tolkien dissesse que nós, leitores, somos como eles: não fomos feitos para aventuras, somos homens comuns, não temos nada de extraordinário. Mas nada disso importa. Porque nós podemos ser baixinhos, andar descalços, sermos ignorantes em muitas coisas, adorarmos uma tarde preguiçosa e os prazeres da panela ou do cachimbo. Enfim, seja lá quem você for, na sua pequenez, você pode fazer a diferença. Essa é a mensagem do Professor.

    E você, mestre Chico, a reproduziu muito bem nesse relato. Uma verdadeira homenagem a’O Hobbit e também aos demais hobbits. Parabéns!

  4. 25/12/2013 16:16

    Really great writing! More writers should care as much as you do about the content they produce. This has really given me a good reason to think more on this subject. Thank you for this.

  5. 25/12/2013 18:06

    Hey visitor!
    Thank you for the comment, really kind words.
    Did you read it using Google Translate?

    I’m really glad to have someone out of Brazil reading our story, feel invited to follow our adventures as much as you like
    :)

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